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Mostrando postagens de setembro, 2024

Rosa tem febre demais

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                Espero a madrugada e visto minha roupa de sonho. Depois, sem que minha mulher desperte, ganho as ruas de silêncio e caminho passos de quem foge, aproveitando manchas de escuridão, sombras que grandes árvores projetam.          Agora atinjo as avenidas centrais. Luzes ferem os meus olhos e passam os boêmios e as prostitutas. Alguns param e olham minha fantasia de sonho — as longas barbas brancas, o vermelho manto bordado de arminho, negras botas que confundem meus pés com o asfalto. Olham e seguem e caminham, e mais rápidos são os passos porque agora sou esperado e é hora de chegar.                Mais além, no largo, antes da ladeira, estão os motoristas. Dizem coisas pornográficas, contam episódios de sangue, mas eu caminho e passo e eles fazem silêncio quando me vêem. Alguns, os mais velhos, atiram moedas no asfalto e eu as recolho e seus olhos me acompanham enquanto, na outra esquina, encontro a ladeira e vou começar a descê-la. Então, voltam aos temas de antes e ter

O fluxo que conduz a vida.

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       Ele surge pequeno, geralmente, numa montanha, frágil e límpido. E começa a andar e vai indo ao seu destino. Ele não sabe o destino, apenas sabe que tem que continuar indo porque não há como não seguir em frente. Às vezes, ao encontrar uma barreira altamente obstrutiva, ele dá a impressão de estar parado. Mas, imperceptivelmente, o topo da barreira lentamente se aproxima e, sem que espere, a barreira é ultrapassada. Neste caminho ele se sente avolumando enquanto atravessa lamaçais, corredeiras e até imensas quedas, onde, após rodopios angustiantes, continua a seguir seu caminho continuo. A sujeira do mundo, ao redor, vai se impregnando em seu ser pelo caminho sem ser notado, mas, mesmo assim, não há como parar as transformações ou escolher o trajeto, estas mudanças são inevitáveis. Durante seu percurso perde-se parte, incorporam-se outras partes e o seu caminhar continua. Vezes por rotas fáceis, vezes por rotas difíceis, há dias lentos, preguiçosos, outros rápidos, a

Como nasce um poeta.

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Ela não pretendia ter mais filhos, tinha três, dois homens e uma mulher. Mas numa dessas noites que eles transbordavam alegrias, após sorverem borbulhante Moet Chandon, no outono de suas vidas, eles resolveram se amar intensamente. Na luxuriante noite, reservas à parte, um óvulo esquecido resolveu abrigar um vitoriosos invasor. Pouco tempo depois, náuseas e antipatia a odores fortes denunciaram a intenção divina de lhes proporcionar um novo desafio. Não era hora. O jornalista, assustado, pensou em aliviá-la da nova carga. Ela, em dúvida, ressequida entre o medo do procedimento médico e da dura labuta da realidade enfrentada. Mas, ao vislumbrar a angustia da amada, o jornalista se encheu de brios e sentenciou: “é só mais uma boca”. E a união entre o invasor e sua maculada morada fundiu-se em cadeias de DNA, formando proteínas absorvidas dos saís carbonatos que circulavam no viscoso líquido carmim. Com o passar do tempo, absorvendo cada vez mais partículas da natureza se uni
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       O manipulador      Gosto de brincar com elas. Gosto mesmo de este poder que tenho de colocá-las no ritmo que queira. Rápidas e desembestadas a correr e correr como se o tempo fosse átimo. Ou lentas, cheias de preguiça, malemolentes. Posso fazê-las felizes, leves, soltas e sorridentes. Ou então, posso torná-las rudes, agressivas, até mesmo duras. Faço o quero com elas. Posso conduzi-las a inspirar amores ou sexo. Posso fazê-las germinar ódios e preconceitos. Se quero que cantem, as farei cantar. Se quero que dancem as farei dançar. Elas são minhas amantes...      Se sou manipulador? Sim. Claro! E é por poder manipulá-las que me faz amar as palavras.

Homenagem de Katia Drummond a Ariovaldo Matos.

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  Katia Drummond o s e p S r t o n d h t 7 5 5 8 9 c 7 h 9 2 h m 3 c t 6 7 l c 2 0 4 t h 1 7 5 1 3 0 f 0 i 2 g 6 7 m l 9 4 h 1 l a 3   4    ·  OS ÚLTIMOS SINOS DA INFÂNCIA (Para Ariovaldo Matos. Meu tio Ari.) Os sinos ainda dobram lá na torre da matriz. São velhos sinos vibrantes. Ecos sonantes... Distantes. Sonhos felizes de outrora. Hoje, meras cicatrizes. Melancolias de agora. Os sinos ainda dobram lá na torre da matriz. São velhos sinos vibrantes. Sonoros sonhos sutis. Últimos sinos da infância de quem sonhou, por instantes, em algum dia ser feliz. Kátia Drummond Recentemente reli a obra Anjos Caiados, do brilhante escritor Ariovaldo Mattos. Voltei à minha juventude, quando alguns dos meus familiares e seus amigos artistas, escritores, intelectuais frequentavam o Cassino Tabaris e o Anjo Azul (onde eu, a mana Sônia e amigos celebrávamos a nossa vivaz mocidade). Confesso que ao ler Anjos Caiados senti vibrar em mim a energia do meu fantástico e eterno escritor Ariovaldo Matos. “Uma

Conto de Carnaval

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            Quinta-feira à noite, o calor estava beirando o insuportável, na TV mulheres seminuas se rebolavam em frenesi, Alzira, minha mulher, olhou-as com desdém e comentou,        --  São umas vadias turbinadas de silicone. De vez em quando morre uma no bisturi, bem feito.                                                                                                        - 0 –                  Alzira, apesar dos 37 anos, fisicamente, ainda é uma mulher bonita. Conheci-a no curso de Arquitetura, eu estava me formando e ela era caloura. Nos conhecemos em um bar perto da faculdade. Muito bonita: pele morena da cor de chocolate, olhos amendoados, corpo tipo mignon e um belo sorriso. Sempre dei preferência às mulatas gordinhas. Ela destacava-se pela desenvoltura, tinha aquele brilho no olhar de quem é feliz. Sorria sem esforço das coisas mais bobas e era um sorriso autêntico, -- nada me mostra mais a personalidade de uma pessoa que o sorriso. Tenho verdadeiro asco de quem posta,