A Secretária
Gosto de ser franco. Confundem-me como rude. Diz meu filho que sou sutil como um rinoceronte. Talvez o seja, não sei bem. Outros me afirmam que até meus elogios são ácidos. Não sei dourar a pílula. Não uso eufemismos. Digo a verdade e a ingratidão da verdade não me ofende. E tudo para mim é muito substancial. Eu disse você é bela, como Caymmi disse: “o Abaeté tem uma lagoa escura, arrodeada de areia branca”, assim, simples. E ela agradeceu. E eu disse que ela não precisava me agradecer e sim aos pais dela ou a Deus. E eu concluí a frase dizendo com a mesma simplicidade: sua a beleza não é mérito seu, e completei: são os genes. E o riso fácil dela se apagou. Ela me olhou com desdém, talvez pensasse: “quem ele pensa que é?” Eu disse talvez pensasse, não tenho a capacidade de ler mentes. E perguntei se eu a ofendi, ela disse não, não senhor... E eu me calei. Bebi o último gole da dose do conhaque no copo. Imaginei pelo uso da palavra senhor uma formal maneira de tratamento. Supus. Ela acredita que eu queira comê-la. E sim, era verdade. Eu queria comê-la. Mas não queria que ela soubesse que eu queria comê-la naquele momento, então desconversei. E fingi não querer comê-la. Fui um hipócrita. Somos todos hipócritas apesar de poucos admitirem essa verdade. Ela continuou parada, de pé, olhando-me. Puxei a cadeira ao meu lado e perguntei se ela queria se sentar. Ela sacudiu a cabeça em negativa, seu cabelo balançou suavemente o que a tornou mais bonita. Você quer sim. Eu afirmei, e disse se sente. E ela se sentou. E vi que ela estava temerosa, então, ofereci uma bebida. Ela não respondeu e eu pedi ao garçom que trouxesse uma dose de uísque para mim e um gim tônico para ela. Ela disse “prefiro Campare” e sentou e eu mudei o pedido. Pairou um silêncio entre nós dois. O silêncio perdurou até a chegada do garçom. O clima estava tenso. Ela esfregava as mãos e estalava os dedos. Também evitava olhar meu olhar. Eu reiniciei a conversa e falei da necessidade de encontrar uma secretária. Ela puxou da bolsa algumas folhas de papel e me entregou. Eu não me dei ao trabalho de olhar. Reparei que suas mãos tremiam e disse mantenha a calma. E falei você está contratada. Pode aparecer amanhã as 8:30 no meu escritório. Ela fez que iria se levantar e eu disse não precisa ir embora, beba seu Campare. Para tirar a tensão do clima pedi perdão por tê-la assustado. Ela voltou a se acomodar e sorriu e perguntou por que eu não olhei o currículo dela. Eu disse porque quero comer você e completei, mas sem maiores compromissos, e disse, também, mas você não precisa aceitar. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Ela afirmou o senhor é louco. Eu respondi não, não sou. Só acredito que você também pensou em me comer. Alias, na verdade, são as mulheres que comem os homens. E você pode até ter vergonha em admitir que pensou em me comer para obter lucro. Isso não faz de você uma puta. Todos sempre querem ganhar alguma coisa. As vítimas querem ganhar pena, as gananciosas querem ganhar dinheiro e jóias. As sádicas querem ganhar poder para ferir e é assim sempre. Até irmã Dulce, quando ajudava os pobres queria ganhar algo. Não sei se era santidade, que fosse o ingresso no do céu. Não interessa. Todos sempre querem ganhar algo. E, depois do discurso deixei claro que eu não queria namorá-la, não queria compromisso com ela e não queria que ninguém soubesse que eu iria ser comido por ela. Naquele instante ela me olhou nos olhos e disse, “OK. Ainda bem que você sabe. Eu vou cobrar”. Não existia mais tensão. Ela pegou em minha mão e perguntou “está certo?” E completou, mas se eu não gostar de transar com você direi que não quero mais. Eu disse eu topo. Ela disse com sinceridade “o senhor é um grosso”. Eu sorri e devo admitir que essa foi a pior cantada que já dei em uma mulher. Bebemos por mais algum tempo e ela me acompanhou até um motel e nós fizemos sexo. No outro dia ela chegou pontualmente ao trabalho. É uma excelente secretária. Faz cinco anos que trabalhamos e transamos e hoje ela se casará. Hoje serei seu padrinho de casamento. Perguntei se ela queria parar de fazer sexo comigo e ela disse não. Gosto de fazer sexo com você e gosto do dinheiro que ganho com isso. Talvez ela seja mais íntima de mim do que será do próprio marido. Mais que uma secretária e amante eu ganhei uma discípula.
Conto Publicado no Livro em PDF - Crônicas e Contos Leves - de Ricardo Matos
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