Homenagem de Katia Drummond a Ariovaldo Matos.

 



OS ÚLTIMOS SINOS DA INFÂNCIA
(Para Ariovaldo Matos. Meu tio Ari.)
Os sinos ainda dobram
lá na torre da matriz.
São velhos sinos vibrantes.
Ecos sonantes... Distantes.
Sonhos felizes de outrora.
Hoje, meras cicatrizes.
Melancolias de agora.
Os sinos ainda dobram
lá na torre da matriz.
São velhos sinos vibrantes.
Sonoros sonhos sutis.
Últimos sinos da infância
de quem sonhou, por instantes,
em algum dia ser feliz.
Kátia Drummond
Recentemente reli a obra Anjos Caiados, do brilhante escritor Ariovaldo Mattos. Voltei à minha juventude, quando alguns dos meus familiares e seus amigos artistas, escritores, intelectuais frequentavam o Cassino Tabaris e o Anjo Azul (onde eu, a mana Sônia e amigos celebrávamos a nossa vivaz mocidade). Confesso que ao ler Anjos Caiados senti vibrar em mim a energia do meu fantástico e eterno escritor Ariovaldo Matos.
“Uma obra cujos personagens exibem uma articulação moral, psicológica, profissional, cultural, social, política, ideológica, que impossibilita separar o homem do que faz, do que pensa, de como age, do que produz. Seu comportamento político, os livros e contos, as peças teatrais traziam todos a mesma compreensão da vida, da sociedade, dos homens. O que se refletia tanto no político como no escritor ou no teatrólogo.”
(Othon Jambeiro. Professor universitário e Jornalista.)
Ariovaldo se notabilizou pelas suas diversas obras, a exemplo: Anjos Caiados, Últimos Sinos da Infância, A Dura Lei dos Homens, As Aventuras do Senador Tônio Petrucc, Corta-braço, A Ostra Azul, A Escolha ou O Desembestado, Os Dias do Medo, A Engrenagem, E Todos Foram Heróis, O Ringue (censurada), entre outros. Sem contar seu excelentes escritos para jornais e revistas.
“Esse Ariovaldo Matos traz no sangue o demônio da literatura. A sua vocação literária foi mais poderosa que todos os outros chamados. Terminou por impor-se, vencendo mesmo o escritor, jornalista ágil, o repórter de incomum vivacidade.” (Jorge Amado)
Mas... Confesso que, para mim, ele era o meu amado tio Ari. Aquele ser surpreendente cuja inteligência sempre me cativava. Aquele com quem eu aprendi, desde cedo, a desenvolver o amor pelas vida, pelos seres humanos, pelos mais humildes e mais simples. A entender o processo de socialização e a sofrida luta pela sobrevivência em todos os contextos.
Com ele aprendi a pensar com lucidez sobre este mundo tão complexo, conturbado, violento, injusto. Foi ele quem me despertou para a divisão da sociedade em classes sociais, a exploração do homem pelo próprio homem, a extrema perversidade contida nas guerras. Sobre a tese, a antítese e a síntese. Sem esquecer do amor, do desamor e do ódio.
Ele ia lá em casa só para me ouvir estudar piano, quando eu ainda era uma garotinha, no tempo em que as nossas famílias moravam no Barbalho. Torceu por mim nos inesquecíveis festivais musicais como os produzidos e dirigidos pelo mestre Roberto Sant’Anna.
E eu me sentia lisonjeada. Uma vez ele mandou-me um telegrama de parabéns, que eu, feliz da vida, guardei cuidadosamente numa caixinha por muitos anos.
De vez em quando ele contava sobre Paris, a Cidade Luz. A cidade que mais o encantou! Para minha imensa satisfação, apresentou-me a Pushkin, Dostoievski, Tolstoi, Shchedrin, Tchekhovos e outros. Era tanta e tamanha a sua sensibilidade, que ele lia para mim apenas os mais encantadores momentos literários, considerados os mais sensíveis, belos, líricos e apaixonantes. E conversar com ele era uma verdadeira delícia e fazia parte dos meus prazeres e aprendizados.
Fui crescendo no mundo dos pensadores, intelectuais, jornalistas, escritores, musicistas. Daí em diante, desde tio Ari, o meu mundo, além da música e dos recitais de piano, também virou literatura, virou poesia. E ele, meu amado tio Ari, virou para sempre meu escritor, meu mestre, meu amigo.
Obrigada tio, por ser meu radioso farol.
Obrigada tio, por tanto e por tudo. Sempre.
Com ternuras e delicadezas.
Sua sobrinha,
Kátia.


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