O Terreno Baldio
No fundo de minha casa existia um terreno baldio, há anos ele
estava abandonado. Nele gatos e ratos disputavam os restos de comida
que era atirado das janelas do edifício do outro lado. A área era cercada
por um muro alto e nela crescia capins e outros arbustos, mato só mato.
Certa feita, os meninos da minha rua se reuniram e, junto a eles, fomos
capinar o terreno, tirar os tocos, catar os cacos de vidro, pedras e paus
podres. Queríamos fazer uma quadra de vôlei para brincarmos.
Trabalhamos duro durante quinze dias. Limpamos totalmente a área,
recolhemos o lixo, pretendíamos cobrir toda a área com arenoso. O pai
de um dos garotos era dono de uma loja de material de construção e nos
prometeu: daria o material necessário, fosse quantas caçambas coubesse
para fazermos nossa quadra. Mas, no dia seguinte, após está tudo limpo e
o terreno plainado, o dono do terreno apareceu, disse que não tínhamos
autorização para usarmos seu terreno. Tristes, ficamos todos, mas
tínhamos que respeitar o que manda a lei. Nos vinte poucos anos que
morei na casa de meu pai, essa foi a única vez que vi o dono do terreno,
que aos poucos voltou a ser o lar dos ratos e dos gatos vadios, voltou a
ser o fétido depósito de lixo a céu aberto e coberto pelo mato. Lembro
que à noite, naquele dia que encontramos o dono do terreno, meu pai perguntou por que eu estava triste, e eu disse. Meu velho me chamou e
falou, “isso, filho, é um direito trazido ao país por seus invasores. Chama
se propriedade privada, que a base do sistema capitalista. Vocês só
queriam brincar, mas existem muitos homens e mulheres que fazem o
mesmo trabalho em terras aparentemente sem proprietários, terras sem
utilidade, griladas e abandonadas até que alguém resolva dela fazer sua
morada e dela tirar o sustento de sua família. E eles, os que são
chamados de posseiros, não o fazem para brincar, fazem para morar e
alimentar a si e a seus filhos, e muitos são mortos quando se recusam a
abandonarem o fruto do seu trabalho”.
Eu, dentro de minha inocência de criança, perguntei: pai, se o
senhor já sabia disso, por que não nos avisou? Ele, rindo, disse: “se eu
tivesse avisado vocês não teriam limpado o terreno, e não sentiriam na
pele o quanto injusta são algumas leis. Essa foi a melhor maneira que
encontrei para lhe ensinar que existe lei e que existe a justiça, e que a lei,
apesar de a chamarem de justiça, não é, necessariamente, justa.”
Depois meu pai me perguntou quantos de nós tínhamos trabalhado
para limpar o terreno. Eu disse. Meu pai tirou da carteira o valor que
achava adequado pelo trabalho que havíamos realizado e me entregou o
dinheiro dizendo: “eu mesmo pretendia pagar para limparem o terreno,
vá e divida o dinheiro com seus amigos.” Eu aprendi a lição, mas nunca
aprendi a digeri-la. Até hoje sinto tristeza quando vejo leis injustas
oprimirem o povo. E apesar de saber que sozinho não posso limpar os
terrenos fétidos da lei, busco amigos para juntos tentarmos limpá-los, mesmo sabendo que tudo tem dono, por trás de cada lei há o interesse
de uns poucos se fazem dono do que Deus criou para ser de todos.
Conto de Ricardo Matos do Livro em PDF - Contos e Crônicas Leves.
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