Os três "M" da prostituição: miséria, mistério e Maria, Crônica.

 





Esse título de crônica amiga, é um dos momentos em que não uma, mas várias Marias cruzaram-se em meus caminhos. E permanecem, ainda, porque a miséria se agrava e os mistérios se adensam.

Se não me engano, e tenho boa memória, título e texto foram de reportagm de José Contreiras, para o "Jornal da Bahia", por volta de 1959 ou 60. Ele trabalhou uma pesquisa sobre prostituição e a presença do nome Maria era da ordem de uns 70%, dominantemente oriundas e, com elas, seus mistérios, dos municípios do Recôncavo. Talvez a pesquisa que Gey Espinheira e sua equipe realizaram para a Fundação do Pelourinho, sobre a população da área, ofereça dados pelo menos essemelhados.

Um parêntese, Terezinha: os jornalistas baianos continuam preocupados com bons títulos. Há uma tradição, no particular. Quando Francisco Alves morreu, já não me lembro o ano (quanto a números, minha memória é fraca), a manchete de Inácio Alencar para o "Diário da Bahia" foi magnífica: "Adeus, cinco letras que choram". Exatamente o primeiro verso da canção que o inesquecível Chico Viola gravara, meses antes do acidente automobilístico em que morreu. E, como Juscelino, faz poucas semanas, na estrada Rio-São Paulo.

Não há muitos anos - era campanha eleitoral, na Estrada da Liberdade eu catava votos de eleitores retardatários para Josafá Marinho, João Borges e Newton Macedo Campos - reencontrei Maria, minha primeira namorada. Estava casada, com filhos. Mais do que a alegria de votos talvez conquistados, reverdeci na memória pouco dos alegres anos da minha adolescência. Não apenas lembro, mas recordo - distingo lembrança, por devolver pouco, de recordação - que ela morava bem perto da minha casa, em Nazaré, e com frequência, para que ela ouvisse, em saudosa varanda, eu cantava romanticamente "Maria, o teu nome principia / Na palma da minha mão / E ele cabe direitinho / Dentro do meu coração / Maria". Também perto morava meu amigo Afonso, hoje funcionário da Empresa de Transportes Aéreos. Acredito ter sido ele quem primeiro me advertiu quanto à minha total incapacidade para, sequer, trautear:

- Vá ser desentoado assim no inferno!

Eu não acreditei e, suponho, esse também um dos motivos porque Maria me deu adeus - e foram cinco letras que choraram muito, na época, mas já não doem. As boas lágrimas, mesmo as que a gente chora prá dentro, são assim: com o tempo, ganham qualidade nova e pulam da dor para a alegria.

Veja, então, amiga como são poderosas tais palavras em M: Memória, Miséria, Mistério e Maria.

Fonte: Crônica originalmente publicada no suplemente "Mulher", do "A Tarde", em 3 de setembro de 1977 - Ilustração Ricardo Matos acrílico sobre tela. 


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