O Improvisador - Crônica da Ariovaldo Matos
Porque eu estava lá e presenciei o episódio, posso garantir a veracidade de um fato narrado pelo professor Hegel:
- Pode-se – ele escreveu num dos seus textos sobre Estética – falar de um nexo entre a arte e, por um lado, o seu modo de produção, e, por outro lado, o gênio nacional de um povo. Na Itália, por exemplo, os improvisadores são particularmente numerosos e dotados de um talento por vezes extraordinário. Ainda em nossos dias, italianos há capazes de improvisarem uma peça em dois atos na qual nada existirá de decorado e onde tudo provém do conhecimento das paixões e situações humanas, bem como de uma profunda inspiração de momento. É conhecida a história de um pobre improvisador que, depois de improvisar durante muito tempo, deu a volta a assistência para arrebanhar algumas moedas no velho chapéu esburacado; mas, dominado ainda pelo fogo da inspiração, não parou de declamar, de gesticular com os braços e as mãos até cair por terra inanimado, espalhando pelo chão as moedas que conseguira recolher.
Eu grifei "chapéu esburacado" porque, na qualidade, o chapéu de Rappacinni (este o sobrenome do improvisador) estava bastante castigado, sem, contudo, qualquer prejuízo quanto a buracos ou furinhos. Grifei, também, "inanimado" porque este vocábulo pode sugerir algo trágico, mortal, e Rappacinni, como faria qualquer comediante, apenas fingiu a falta de ânimo, a perda dos sentidos. Fingiu tão bem que uma senhora, piedosa, fez o sinal-da-cruz. Havia naquela poeirenta pracinha de Siena umas 15 ou 20 pessoas. Nem todas jogaram moedas no amarfanhado chapéu e fui uma delas: que significaria para Rappacini uns 2 ou mesmo 50 cruzeiros meus?
Contudo, esperei que ele se cansasse do fingimento, recolhesse as moedas e limpasse o chapéu. Ao perceber bondade em meus olhos, perguntou:
- Me pagará um vinho?
- Com o maior prazer.
Fomos, então, para uma taverna e escolhemos uma das mesas do lado de fora, no passeio. Entardecia.
(Ariovaldo Magalhães Matos nasceu no dia 24 de agosto de 1926, na Rua da Poeira, bairro de Nazaré, em Salvador - Bahia. Era jornalista, contista, novelista, romancista e dramaturgo. Ariovaldo Matos, faleceu a 8 de julho de 1988) -
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