Amor em Wi-fi



     Madrugada, voltara de uma farra com os amigos. Fazia um frio de congelar pinguim quando deitei em minha cama sob o edredom. Sonhei que acordara numa grande festa, onde condicionadores de ar refrigeravam em demasia o ambiente. Os casais, finamente vestidos, rodopiavam em valsas completamente fora do ritmo, já que a banda tocava, em estrondosa altura, o sucesso “saia de bicicletinha” de Aviões do forró.

    Andei até o balcão ao fundo do imenso salão na tentativa de beber um conhaque ou mesmo solver um gole de cachaça para me aliviar do frio intenso. Então, apareceu do nada, sobre o palco um senhor alto e nobre que carregava na mão um estandarte. Ele bateu, firme, três vezes, a ponta do cabo do estandarte, de prata, no chão de mármore, interrompendo o festejo. Vinda do outro lado do salão uma voz feminina perguntou-lhe:

     Senhor! Encontrou o amor? Ele ainda existe?

    Ele, secamente, respondeu: “Não. Não existe mais amor.”

    Olhei o rosto dos casais mais próximos e pude notar, nitidamente, a decepção impressa em seus semblantes ante a triste notícia.  

    Ele completou:  “Percorri o mundo, andei em terras, naveguei em mares, viajei por locais onde nem a luz do sol se atreveu a ir e só encontrei desilusão.”

    Um véu cinza, formados por nuvem de microchips, inexplicavelmente, também  surgido do nada, preencheu o salão que antes fora multicolorido. Crianças, das mais diversas nacionalidades e raças, correram ao encontro do homem e prostraram-se a sua frente. Estavam aterrorizadas. Uma delas, engolindo as lágrimas que lhe escorria até a boca, abraçou as pernas de uma jovem que estava próxima a ela e gritou:

     Mãe, você mentiu para mim, você disse que me amava!

    Aos que ouviram o lamento da criança, em uma cena deprimente, choraram em convulsão. Outros, sem saber bem o que estava acontecendo, puseram as mãos na cabeça e saíram a perguntar por onde passavam: “o que foi?”, “o que foi?...”  

    Tons dissonantes soaram mais forte de sobre o palco. A banda, que agora tocava a marcha fúnebre numa pegada de lambada, fazia que as bailarinas perdessem o rebolado numa estranha coreografia.

    Os  corações palpitantes dos corpos dos casais, agora nus e desesperados, tentavam em vão se consolar através de mensagens cifradas. As paredes firmes do salão foram se liquefazendo e o piso, antes de mármore, tornou-se um emaranhado de fios e luzes. Todos os do local, desesperados, olharam as crianças se transformarem em máquinas frias, cujo uso, agora, tinha a função doméstica de preencher espaços, comemorarem datas festivas e serem fotografadas, para as fotos, sorridentes, serem postadas nas diversas redes sociais. E quando o mesmo processo iniciou entre os adultos e seus braços e pernas se transformavam numa rede de finíssimas fibras ópticas, e os rostos se transmutaram para compor telas de cristal líquido,  o Senhor ergueu o estandarte e gritou: “Fria e eterna necessidade! Se cada um é suficiente a si, por que buscar o amor? Vocês se fizeram seu próprio carrasco.  Que agora paguem o preço!”

    Acordei assustado. Joguei fora meu smartphone pela janela,  sai apressado para casa da namorada, e, sem mínima explicação, levei-a ao restaurante mais caro da cidade para pedi-la em casamento.

    Ricardo Matos – Santa Cruz Cabralia – Bahia.

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